Mexa-se:
Disse alguém para o poeta
sem saber
que sua ação vai mais além,
e o universo, sua meta.
B.U
H. Lopes, pintor, amava loucamente Rebeca S. também artista.
Resolveu colocar na tela e em cores o alvo de sua devoção.
Põe-se a fazer o retrato da amada.
Vermelhos e rosas escorriam por entre os pincéis, corrigindo aqui, confirmando ali, acentuando boca, e retocando pupilas.
De inicio o desafio e a insegurança de, injusto não ser fiel à beleza negra do par de olhos, cultuados antes por palavras, agora em pincéis.
Lentamente , numa postura zen de reconhecimento, vai criando uma nova mulher, descobrindo e corrigindo anatomias e cores... Como um deus.
Terminada a obra, abandonou a musa e amada.
Procura agora, alguém que se pareça com o retrato.
Chegamos agora a uma parte absolutamente desnecessária à existência como um todo, e paradoxalmente, indispensável para o crescimento anímico e espiritual do ente humano. Trata-se do belo, definição genérica que abriga todas as lides estéticas e abstratas, sem o qual a evolução da espécie humana,
não teria sentido e motivação para alongar-se no tempo e no espaço.
Tratamos aqui principalmente de artes plásticas, reverenciando também e por extensão, a poesia, musica, teatro, arquitetura, e tudo aquilo que torna melhor a vida e as relações sociais no planeta.
Começamos dizendo que existem duas grandes definições nas artes; boa e má.
Como são extremamente conceituais e subjetivas tais avaliações, fechamos um pouco e dizemos que há arte honesta e desonesta; honesta, quando é fruto e manifestação da vida interior do artista criador, abstraindo e desconsiderando aqui valores de moral e costumes que são produtos do meio e da cultura.
Não existe nas artes o “politicamente correto”.
Não excluindo obviamente a ética, no seu sentido original grego que é “morada” -do ser- e não do dicionário no qual é sinônimo de “moral”.
Arte desonesta dispensa comentários; é vazia e só atende aos interesses imediatos do “artista”, que visa somente proveito próprio.
Ampliando um pouco dizemos que a boa arte implica em: consistência (verdade), problema (leva à reflexão) e solução (compreensão através da reflexão).
Na má “arte” ou obra medíocre não existe problema tampouco solução.
A obra relativamente boa propõe apenas problema ou perguntas.
Toda arte, pretensa ou real , reflete seu criador.
Chegamos aqui a uma dimensão e abordagem espiritual na arte, que dispensa códigos morais, porém respeita uma ética própria do criador, e quanto mais elevada à ética (e ótica) do artista maior sua obra.
Seu alcance transpõe os limites de uma estética formal -a estética é a negação da arte, segundo Heidegger.
Falando em ética, uma interpretação minha pra se chegar a esse valor “moral”, -imponderável no caso das artes, sendo essas atividades abstratas- é através do yukon citado por M.O, e que é: elemento incorpóreo no homem, ou entre ele e a divindade que serve como veículo de comunicação da entidade humana com a Grande Realidade, e ainda no meu entendimento equivale ao intercessor, ou anjo custódio, referido por “M” em seu “deuses
atômicos”. Questão de nomes.
Jackson Pollock, fazia uso desse Daimon Socrático e segundo ele, só criava em conexão direta e xamânica com tal entidade.
Se o vínculo se interrompia por alguma razão, ele parava de pintar imediatamente.
Quanto mais refinada –a ética- e acessado –o yukon- maior será a concordância com a verdade não relativa e absoluta universal, e grandiosa será a qualidade de persuasão e transformação na obra de um artista que despertou para a pluralidade de manifestação da forma que é ...Deus.
Alcança aqui o território da alma.
Como disse M.O; “-o belo interior em oposição ao belo formal” ou melhor dizendo, o belo formal é superado pelo belo interior. Chegamos aqui à famosa tríade; Verdade,Bem, e Belo tão discutida pela filosofia.
O Belo referido não é o “belo” relativo e personalista do indivíduo artista, embora seja essa “beleza” superior à arte desonesta citada no começo.
A “Magnus Opus” –arte maior- é abrangente e produto do gênio, sendo
essa atemporal, e não sujeita às correntes da moda e transcende
“manifestos”.
Essa arte desperta, transforma, e nela há Verdade Bem e Belo.
A PRÁTICA DO BELO
Dentro dessa trilogia proposta por M.O. e objetivo maior para a redenção e emancipação do gênero humano, a fruição, e melhor ainda a
prática do belo é da maior importância.
Não o belo vazio superficial e convencional , mas aquele que nos leva à consciência da Harmonia Cósmica Universal.
Dentro desse pensamento, a prática das artes conduz a um esvaziamento
do conteúdo mental mecânico e autônomo deixando espaço para a manifestação do Ser em nós, que é a perfeita tradução do... belo.
Tratamos aqui das artes plásticas, que é a nossa “praia”, não excluindo obviamente todas as lides estéticas.
“Um objeto é desconhecido por nós, até que o desenhemos” disse um pintor.
Propomos uma prática: pegue um objeto qualquer tendo nas mãos lápis e papel e comece a desenhá-lo sem a expectativa do resultado.
Não se preocupe com a forma do objeto, ou a reprodução e verossimilhança da peça modelo.
Mergulhe nos detalhes, como se você quisesse esquadrinhar os mais ocultos pensamentos de alguém.
Não se trata aqui de cópia, e muito menos de um resultado equivocadamente buscado. Aliás não há busca de nada.
O que há é percepção da ação em si. Essa concentração sem tensão trará uma presença, e uma consciência ampliada jamais sentida.
É como uma oração
Na verdade o resultado (obra criada) é um “bônus” e uma motivação para a prática constante - “Procure primeiramente o reino dos céus, e o resto se vos dará por acréscimo” diz a bíblia.
E então, como um milagre e na ausência de qualquer crítica, a beleza assoma e revela-se.
É nesse sentido que Dostoievski disse “O belo salvará o mundo” que é o
mesmo que dizer: “A consciência salva”.
M.O diz que: “a observação de uma obra de arte eleva o espírito”.
Pressuposto que seja uma “boa obra”, ou seja; de um artista consciente, iluminado, considerando que há vários níveis de consciência, e um artista
honesto -ainda que não seja permanentemente desperto-, na hora da criação tenha se conectado com seu Ser.
Transcrevemos aqui um trecho do livro “Os deuses atômicos” cujo autor usa o pseudônimo “M”; “... James Whistler, pintor americano (1834-93), autor de retratos e quadros de estilo próximo ao dos impressionistas, reconheceu que foram os últimos vinte minutos de trabalho absorto (grifo nosso) que fizeram do retrato de sua mãe, uma obra-prima.
Nessa obra, pode-se observar que os brocados das roupas parecem ter sido feitos sem o menor esforço, com precisão e segurança tais que tornam esse quadro absolutamente inestimável...”
Esse “absorto” do texto podemos entender como ausência absoluta de
conteúdos mentais descontinuados, e presença soberana do... Ser
Muitos artistas contemporâneos, que abandonaram a dimensão do plano -a pintura- e agora trabalham na esfera tridimensional, estão alinhados com a busca ou apropriação de um “espírito superior” na chamada arte conceitual,
ou instalação, -genericamente falando.
Anish Kapoor, artista indiano, propõe um mergulho no espírito -consciência- lidando com, e na terceira dimensão –matéria- para paradoxalmente penetrar na imaterialidade –espírito-.
Trabalha principalmente com o conceito hinduísta de Maya ou ilusão dos sentidos, no caso a ótica.
Sua obra aplica um “koan” –judô psicológico- na mente, através do qual o fruidor (expectador) entra no território do Ser.