segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"Vajar é preciso" Zysman

Viajar é preciso!!!!

Zysman Neiman

A tomada de consciência sobre a degradação ambiental detonou, no final do século XX, uma reflexão sobre a lógica econômica e o equilíbrio planetário que condiciona a sobrevivência da humanidade. Dentre os diversos movimentos surgidos desde então, o Ecoturismo desponta como fenômeno social e econômico.
A sociedade contemporânea, como se encontra organizada, é quase sempre carente do contato direto com a natureza. É privada, portanto, das oportunidades de vivências pessoais e de crescimento espiritual decorrentes dessa ligação. Esse contato direto oferece a possibilidade de experimentarmos “velhas emoções” e resgatarmos sentimentos pessoais que foram esquecidos no processo de desenvolvimento da nossa sociedade. O crescimento do número de visitas às áreas naturais nos últimos anos vem nos mostrar que, tal como das artes, precisamos do contato com a Natureza selvagem, com a nossa fonte de vida. O alerta para a provável escassez dos bens naturais despertou os indivíduos adormecidos às questões ambientais, que mais que depressa se viram “obrigados a conhecer” esses atrativos antes que se esgotem. Isso transformou as paisagens e seres em “produtos” e atraiu mercados.
O ecoturismo iniciou-se como atividade econômica no Brasil em meados da década de 1980, e desde então tem crescido em todas as regiões do país nas quais há belas paisagens naturais e os aspectos tradicionais da cultura são marcantes, sendo possível encontrar nessas localidades agências, hotéis e pousadas que oferecem pacotes ecoturísticos.
A definição do Ecoturismo prevê que os indivíduos possam entrar em contato com as áreas naturais garantindo a sua sustentabilidade econômica e ecológica, incluindo-se aí suas populações tradicionais que assumem a responsabilidade de cuidar e, através de sua cultura, integrar-se a essas áreas de modo a preservar seu equilíbrio.
O Ecoturismo é hoje uma atividade que funciona como instrumento de aproximação entre o ser humano e o meio ambiente selvagem, principalmente em Unidades de Conservação, incorporando alguns pressupostos, como o questionamento de valores, a aprendizagem através da experiência, e a promoção da busca de reformulações para os aspectos indesejáveis da vida cotidiana. É portanto, uma atividade educativa. Pode-se aproveitar a situação de contato para incorporamos a importância da conservação da natureza, de uma forma agradável e bem contextualizada. Numa viagem de Ecoturismo deve-se refletir sobre o que é de fato necessidade, segurança, conforto ou o que é supérfluo, apontando para uma reformulação da questão da individualidade/individualismo nos processos coletivos. O ambiente natural precisa deixar de ter apenas valor utilitário ou comercial e passar a ter valor existencial. Se ele precisa existir para que eu também exista, devo ter cuidados com ele sem esperar algo em troca.
A busca do “eu interior”, da beleza, da estética, do diferente e do primitivo é uma constante no discurso dos praticantes do Ecoturismo, mas essa pretensão não afasta um sentimento essencialmente egocêntrico. Crer na existência de espaços naturais como mero pré-requisito para sua existência, não o diferencia daqueles para os quais a natureza é fonte de exploração, e o mantém tão insensível quanto.
A criação de Unidades de Conservação está atrelada a esta lógica utilitarista, atribuindo à biodiversidade valor econômico para a criação de novos remédios, matérias-primas e até novos alimentos, inclusive tornando-a moeda corrente, como vemos hoje com o advento do conceito dos sumidouros de carbono.
O Ecoturismo deve rever esses paradigmas da sociedade contemporânea e compreender que qualquer atividade educativa deve estar embasada numa postura participativa de integração, com alto envolvimento afetivo, que proporcione vivências únicas aos educandos, para que, desta forma, possam iniciar o seu processo de transformação.
Apesar de aparentemente utópico, é possível consolidar estes novos conceitos e realizar experiências gratificantes, onde o visitante possa vivenciar a desfragmentação de seu universo e interagir com a natureza de modo íntegro, puro, realmente natural, sentir-se agente ativo da mudança e tornar-se multiplicador deste espírito. Se o Ecoturismo proporcionar um contato não superficial com áreas naturais, haverá a possibilidade dos seus praticantes se integrarem ao ritmo natural das coisas, incluírem-se neste processo e descobrirem-se como agentes receptivos de emoções.
Entretanto, as instituições brasileiras voltadas para a organização e execução do Ecoturismo vêm se estruturando a partir de um outro paradigma, e possuem hoje um caráter essencialmente empresarial. Funcionam dentro da lógica do mercado, que prioriza os aspectos voltados à prestação de serviços e ao retorno econômico em detrimento dos conservacionistas e educativos de revalorização do natural. Supõem que o simples contato com a natureza é suficiente para mudar o comportamento do turista perante o meio ambiente.
O setor copia os conceitos convencionais do turismo, onde o cliente “exige” uma infra-estrutura padronizada que promove a ele um conforto similar ao que possui em seu dia-a-dia. Não há valorização das experiências autênticas de contato com o simples, com o rústico, mas simplesmente e imposição de roteiros onde a “convivência com a natureza” se dá com todo “conforto urbano”. Tal prática padroniza a vivência, superficializa a percepção, anestesia a sensibilização e faz com que tudo se torne “fabricado”, souvenires para o turista ver e comprar.
Vale lembrar que, sem respeitar seus três pressupostos básicos (benefícios às comunidades receptivas, conservação do ambiente natural e sócio-cultural, e Educação Ambiental) nenhuma atividade pode ser considerada como ecoturística.
Todo ecoturista deveria ter um comportamento coerente com todos os princípios básicos do Ecoturismo, ou seja, respeitar a natureza, tentando entender como funciona o meio ambiente do local visitado sem destruí-lo; conhecer novas culturas e tradições das comunidades locais, sem distorcê-las.
Entretanto, com a atual tendência de “massificação” do ecoturismo, o que se tem percebido é um comportamento contrário. O ecoturista se preocupa em conhecer paraísos ecológicos, mas nem sempre em preservá-lo. Muitas vezes, o visitante não entra em contato com novos culturas das populações locais a fim de aprender com elas, mas sim a título de curiosidade, ou para levar souvenires para casa. Isso sem falar na “exigência” de que os serviços prestados sejam “compatíveis” com sua condição de “turista urbano”. Ou seja, o turista não busca as “diferenças” mas sim a “padronização”.
O ideal do Ecoturismo deveria ser a conscientização de seus praticantes de que por si, só constitui uma atividade turística diferente e que, por isso, eles terão que abrir mão de alguns hábitos e “necessidades”. É simplesmente uma questão de coerência: os lugares visitados apresentam uma realidade totalmente diferenciada e se cada turista carregar ou exigir seu tipo de alimentação, seu tipo de acomodação, seu estilo de vida em geral; com o passar dos anos, esses locais não terão mais as características peculiares, se tornando “lugares comuns” e não mais atrairá ecoturistas.
Atualmente a indústria de turismo e hotelaria vem sofrendo transformações em sua essência. A mudança de paradigma é global e envolve a transferência do enfoque puramente econômico para outro preocupado com a preservação do meio ambiente natural e social. Talvez aquela antiga frase ”O cliente sempre tem razão” ou até mesmo a atual tendência dos meios de hospedagem em oferecer serviços de “alta qualidade”, superando e antecipando os desejos e necessidades dos hóspedes, tenha uma conotação diferente para o Ecoturismo. O praticante de Ecoturismo deve exigir essa mudança quando contrata serviços no setor do Ecoturismo. Só assim ele estará contribuindo com as mudanças nas organizações, levando-as a repensarem sua maneira de gestão, buscando minimizar os impactos ao meio ambiente através de novas alternativas sustentáveis. Este guia vai ajudá-lo nessa tarefa.

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